O poste e a árvore

S4Desde que me instalaram aqui para iluminar a rua, notei aquela árvore ao meu lado: alta e frondosa; a casca grossa e áspera; os galhos, firmes, cobertos de bromélias e cipós. Linda, linda, linda. Sua presença faz meus dias mais alegres, e todo ano, sem falta, ela floresce num espetáculo de cores e vida. Flores grandes de pétalas roxas, salpicadas de amarelo e branco, cobrem o verde que nessa época se apaga. Nunca me canso de vê-la assim.

Embaixo de nós, porém, corre a rua, e na rua correm as pessoas. Carros, motos, ônibus, ciclistas e pedestres, todos correm, mesmo estando parados. E nessa correria não enxergam nem a árvore nem suas flores. Veem apenas o asfalto, o semáforo, os carros e os muros. Para eles, essa é a rua e não há tempo para detalhes. Nunca há tempo para a beleza.

No inverno, quando as abelhas e borboletas se cansam de visitar suas flores e levar embora o pólen e o néctar, a árvore chora. Suas lágrimas, roxas e leves, despencam lentas, como se tentasse retê-las. Flutuam por um instante no ar, rodopiando, e então chegam no chão quietas, tímidas. Nos dias de trânsito, quando as buzinas gritam, seu pranto derrama um lençol colorido sobre os carros parados, mas mesmo assim eles não a veem. Irritados, ligam seus limpadores de parabrisas e empurram as flores para o chão. Quando vão embora e a rua fica vazia, resta apenas uma massaroca amarronzada no asfalto.

Esse ano foi diferente. As chuvas do outono vieram mais fortes do que o normal. Achei até que iam me levar embora dia desses, de tanto que balancei. A árvore, sempre tão linda, esse ano não deu flores. Numa madrugada da semana passada choveu de novo, e a ventania foi tão forte que fez despencar com estrondo um de seus galhos.

Só pela manhã foi que perceberam o ocorrido. A queda levou junto os fios dos postes e amassou um carro que estava estacionado. A rua ficou bloqueada, e as pessoas se juntaram para ver. Olharam para o galho, imenso, estendido sobre a rua. Depois para o carro, perda total na certa. Então para os postes apagados, os fios desencapados caídos como cipó que encosta na terra. Desceram de seus carros e motos, se aproximaram pela calçada e viram, pela primeira vez, a árvore: grande, frondosa, morta. Chamaram os vizinhos, juntaram-se ao seu redor, tiraram fotos. Pouco tempo depois, começaram a cortá-la.

6 comentários sobre “O poste e a árvore

  1. Henri Galvão 29 de maio de 2016 / 16:52

    acho que é um dos seus textos mais líricos que já li. “todos correm, mesmo estando parados”, e frequentemente me parece que o contrário também acontece

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  2. Cássia 20 de junho de 2016 / 01:17

    Muito bons fazer leitura neste blog. Nos leva a paradas e reflexões boas e saudáveis…. Parábéns

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    • Ivan Cardoso 20 de junho de 2016 / 03:19

      Obrigado Cássia 🙂 Muito bom saber que gostou do blog, muito obrigado mesmo.

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